quinta-feira, 13 de março de 2014

Inimigo íntimo: No presidencialismo do Brasil, oposição ao governo federal parte da própria base aliada, sempre ávida por cargos e de olho nas eleições

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Em sua obra mais famosa, "O Príncipe", Nicolau Maquiavel afirma que saber dissimular é um atributo valioso para todo governante, desde que este saiba bem como disfarçar tal característica.
Nesse aspecto, a lição do pensador italiano seria de grande utilidade para a presidente Dilma Rousseff (PT), que fez anteontem, ainda que à distância, uma incursão desastrada pelo reino das negociações políticas, um universo que pouco conhece e muito despreza.
Durante a posse da nova mandatária do Chile, Michelle Bachelet, Dilma respondeu a perguntas feitas por jornalistas brasileiros que acompanhavam o evento. Ao ser questionada sobre problemas com sua base aliada, a petista declarou: "O PMDB só me dá alegrias".
Do ponto de vista de seu governo, era melhor que não houvesse dito nada. Se a frase carregava, além do evidente cinismo, alguma intenção de minimizar o descontentamento de congressistas daquele partido, deu-se o contrário.
Considerando a ironia presidencial como a gota d'água que faltava, peemedebistas decidiram dar o troco. Ajudaram a aprovar, na Câmara dos Deputados, a criação de uma comissão externa para acompanhar investigações sobre suposto recebimento de propina por funcionários da Petrobras.
Sobretudo pelo placar dilatado da votação --267 votos a 28--, a medida sem dúvida representa uma derrota para o governo, e assim foi celebrada pelo PSDB, sigla oficialmente de oposição. Em uma página institucional na internet, tucanos destacavam a "noite histórica" e a "vitória do país".
Não é para tanto. Primeiro, porque a nova comissão não tem os poderes de uma CPI, como convocar testemunhas e quebrar sigilos.
Mais importante, a instauração do grupo de trabalho não decorre da atuação de oposicionistas diligentes, preocupados com os destinos da estatal. Trata-se de mero efeito colateral, por assim dizer, do cabo de guerra entre PT e PMDB.
Não estão em primeiro plano os verdadeiros interesses do país --entre os quais certamente está a fiscalização da Petrobras--, mas uma disputa por espaço na administração federal e por palanques nas eleições estaduais.
O PSDB e demais partidos da oposição, neste caso, serviram de munição para siglas já alojadas na Esplanada dos Ministérios. Tal é a miséria do presidencialismo brasileiro: sem alternativas programáticas no horizonte, os debates começam e terminam nas chantagens da própria base aliada.
Mesmo Maquiavel, um mestre do realismo político, teria dificuldade para compreender esse sistema.
Folha, 13.03.2014.

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