quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Por que as nações falham: Diferença marcante entre Ucrânia e Reino Unido


SÃO PAULO - Ucrânia e Reino Unido. A rigor, o problema que vivem é o mesmo: uma parte da população do país deseja separar-se para constituir uma unidade política distinta. Os processos, entretanto, não poderiam ser mais diferentes.
Na Ucrânia, a disputa assumiu a forma de uma guerra civil, na qual potências estrangeiras, notadamente a Rússia de Vladimir Putin, não cessam de intervir. Já no Reino Unido, escoceses irão pacificamente às urnas no próximo dia 18 para definir se manterão sua aliança com a Inglaterra ou formarão um país independente. Mesmo que os secessionistas prevaleçam, ninguém prevê um conflito armado. Por que a diferença?
Obviamente, há muitos fatores em operação, mas acho que a institucionalidade responde por boa parte do enigma. Enquanto o Reino Unido é uma das mais antigas democracias do planeta, com instituições políticas maduras o bastante para digerir um problema complicado como a desintegração do país, nada remotamente semelhante chegou a surgir na Ucrânia e na Rússia pós-soviéticas, onde essas questões ainda são decididas pela lei do mais forte.
Quem defende com maestria e profusão de exemplos essa teoria de que as instituições explicam (quase) tudo são Daron Acemoglu e James Robinson, autores do livro "Por Que Nações Fracassam", que recomendo.
A possível fragmentação do Reino Unido também nos coloca diante de um dos dogmas da geopolítica contemporânea que é o de que a integridade territorial dos países deve sempre ser respeitada. Será? Essa tese até faz sentido para quem vê nações como a união que a história impõe a povos e pessoas. Penso, porém, que faz mais sentido descrever um país como a vontade que indivíduos têm de construir um futuro comum e, neste caso, as fronteiras são só um detalhe. Desde que os termos sejam negociados por todas as partes afetadas, não vejo problema em redesenhar países e criar novas nações. helio@uol.com.br
Folha: 10.09.2014.
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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Brasil cai um posto em lista de países mais competitivos: Ineficiência do governo foi um dos pontos que pesaram para queda

País ficou na 57ª posição em estudo que mede competitividade, atrás de China, Rússia, Chile e África do Sul

MACHADO DA COSTADE SÃO PAULO
O Brasil perdeu uma posição no ranking global de competitividade neste ano e agora ocupa a 57ª posição de 144. Feito pelo Fórum Econômico Mundial, o estudo aponta para a ineficiência do governo como o principal fator de piora entre 2013 e 2014.
Educação superior e saúde, por outro lado, foram os quesitos em que o país apresentou evolução no último ano, segundo o estudo.
Para Carlos Arruda, coordenador do Núcleo de Inovação da Fundação Dom Cabral e responsável pelos dados do Brasil que compõem o ranking, o levantamento mostra que o país precisa fazer reformas como trabalhista e tributária o quanto antes.
No quesito instituições, que mede justamente a atuação de órgãos governamentais, o Brasil ficou em 94º lugar. Em 2013, estava em 80º.
O país está entre os últimos colocados em alguns dos componentes que integram esse índice, como peso das regulações governamentais (143º), confiança nos políticos (140º), desperdício do governo (137º) e desvios de recursos públicos (135º).
Arruda afirma que o estudo é feito com empresários e o cálculo representa suas percepções.
Nem mesmo as aprovações no Congresso do Código Florestal, do Marco Civil da Internet ou da partilha dos royalties do pré-sal ajudaram nessa percepção.
"Apesar de o Brasil ter feito reformas, elas têm avançado de forma mais lenta do que outros países. O Brasil está fazendo menos do que o que é preciso", afirma.
O ambiente macroeconômico também foi um fator de perda de competitividade. Pioras na poupança bruta, na inflação e na dívida bruta contribuíram para a queda de dez posições nesse quesito.
A eficiência do mercado de trabalho também arrastou o Brasil para baixo no estudo.
O país perdeu 17 posições no último ano devido à falta de reformas na legislação trabalhista, diz Arruda.
"A comunidade empresarial entende que nada está sendo feito para flexibilizar a legislação trabalhista."
EMERGENTES
O Brasil está à frente da maioria de seus parceiros comerciais na América Latina, mas é o quarto colocado entre os Brics, atrás de China (28º), Rússia (53º) e África do Sul (56º), somente à frente da Índia (71º) nesse grupo.
Entre as principais economias latino-americanas, o Chile se destaca, em 33º lugar. O Brasil é o segundo, à frente de México (61º) e Peru (65º).

Estudo une reivindicações de manifestantes e empresários

Em tudo o que depende de ação do governo, o Brasil fica entre os últimos do relatório do Fórum Econômico Mundial
CLÓVIS ROSSICOLUNISTA DA FOLHA
A avenida Paulista, epicentro dos protestos contra tudo, e Davos, que abriga todo janeiro o convescote da elite global, encontraram-se nesta terça-feira (2), ao ser divulgado o Relatório Global de Competitividade para o período 2014-15, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, que capitaneia o encontro em Davos.
Explico: os protestos de junho do ano passado (e não só na Paulista) foram uma catarata de críticas ao funcionamento de praticamente tudo de que os governos deveriam cuidar. O Fórum de Davos dá razão aos protestos, ao colocar o Brasil em posições desastrosas em "eficiência do governo" (131º em 144 países listados), "funcionamento das instituições" (104º) e "corrupção" --aliás, outro foco dos protestos--, em que o Brasil fica no 130º lugar, sem falar em "educação" (126º).
Ou seja, em tudo o que depende de ação do governo, o Brasil fica entre os últimos da fila, embora, no cômputo geral de todos os itens avaliados, a posição do país seja intermediária (57º).
Mas o relatório também dá certa razão aos empresários e analistas econômicos liberais/conservadores, que não se cansam de criticar o pífio desempenho da economia na gestão Dilma Rousseff: a pobre evolução da economia coloca o Brasil no 85º posto em tal quesito, quase 30 posições, portanto, atrás da classificação geral.
Como é próprio em relatórios da corrente ortodoxa da economia, caso dos gurus de Davos, o relatório só dá como positivos os aspectos que não dependem diretamente da ação/inação governamental, tais como o tamanho do mercado e sua "razoavelmente sofisticada comunidade de negócios, com bolsões de excelência em inovação, em muitas atividades ligadas à pesquisa e à produção de valor agregado".
As dificuldades apontadas para o Brasil valem para a América Latina, a tal ponto que o relatório acaba sendo uma comprovação indireta do fracasso das políticas de integração no subcontinente, prioridade dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Ambos apostavam em projetos de infraestrutura para integrar a região, mas o relatório aponta agora como fator que limita o crescimento a carência de "investimentos suficientes" exatamente em uma área como a infraestrutura, além de desenvolvimento de talentos e da inovação.
Não parece leviano especular que essa percepção de Davos combina com a da maioria do eleitorado brasileiro, que, em sucessivas pesquisas, manifesta-se maciçamente por "mudanças".
Ajuda a explicar as dificuldades que enfrenta a candidatura à reeleição de Dilma Rousseff (PT).
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terça-feira, 20 de maio de 2014

O medo do novo

VLADIMIR SAFATLE
O filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) costumava dizer que algo novo nunca aparece de uma vez. Pois, quando se nasce, sempre se nasce frágil e titubeante, acostumando-se aos poucos com a situação na qual o recém- -nascido se encontra pela primeira vez.
Por isso, o que é novo, para poder sobreviver, precisa revestir-se por um tempo com a capa do já visto. Assim, as forças que no fundo tudo fazem para deixar as estruturas intocadas não irão destruir o que acabou de nascer. Elas nem sequer perceberão sua singularidade, até que seja tarde demais para reagir.
Essa descrição de Deleuze era, na verdade, uma espécie de conselho que talvez seja a nossa versão contemporânea para as virtudes da prudência. O tipo do conselho de que sempre nos esquecemos quando agimos.
Na maioria das vezes, nossos desejos são maiores do que a nossa capacidade de preparar as nossas ações. Por isso, talvez, tantos projetos de transformação acabem abortados, muitas vezes por interesses de conservação do que já perdeu seu tempo, mas que faz de tudo para esconder dos outros que já está morto.
Acho que tal perspectiva vale, principalmente, para o que se passa agora no campo da política. Estamos em um momento que está apenas começando e exigirá toda nossa criatividade e paciência para a construção de novas experiências políticas.
Alguns gostariam de confiar na espontaneidade da revolta, mas como mostram os desdobramentos da Primavera Árabe no Egito, o entusiasmo por si só não garante a realidade de nossos sonhos.
Outros entendem que a potência do novo sempre traz no seu bojo novas formas de organização, mas permitir que tais novas formas não sejam destruídas em seu nascedouro nem sempre é fácil.
No que diz respeito ao campo das esquerdas, há de se dizer que ainda conseguiremos criar uma esquerda não dirigista, que não seja refém de interesses eleitorais comezinhos travestidos de necessidade histórica, que pare de usar o discurso do medo para esconder sua falta de capacidade de produzir futuros.
Uma esquerda que demonstre à sociedade não os seus conflitos internos ou as suas depressões seguras, mas, sim, sua força criativa. Uma esquerda que entenda como é impossível defender a transformação da experiência democrática na sociedade enquanto continua a ter as piores práticas no interior de certos aparelhos partidários. Pois ninguém confiará em alguém incapaz de fazer na própria casa aquilo que se propõe a fazer na casa dos outros.
Há uma juventude combativa e dinâmica que sabe disso e que aprendeu a não se contentar com pouco.
Folha, 20.05.2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

CAMAROTES DE VIPS SÃO UMA AMEAÇA AO ESPÍRITO DEMOCRÁTICO

Filósofo critica 'camarotização' de estádios e afirma que vida comum saudável depende de espaços públicos com mistura de classes
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON
O curso "Justiça" fez o filósofo Michael Sandel, 61, virar um dos professores mais populares da história da Universidade Harvard. Suas aulas foram vistas por mais de 12 milhões de pessoas on-line e exibidas como séries nas redes públicas de TV PBS e BBC.
Neste mês, participará do evento "Fronteiras do Pensamento", com palestras em São Paulo e Porto Alegre sobre seu livro "O Que o Dinheiro Não Compra - Os Limites Morais do Mercado" (editora Civilização Brasileira).
Nessa sua última obra, o professor diz que a entrada do dinheiro em diversas áreas "corrompe" seus objetivos. Cita exemplos: da escola em Israel que começou a cobrar de pais que chegavam atrasados para buscar seus filhos ("como se tornou um bem a ser pago, o constrangimento diminuiu e o número de pais atrasados aumentou") à compra de sangue ("a doação caiu quando começou a ser tratada como produto").
Ele diz que faltam "perguntas e debate" para saber em quais espaços o mercado é bem-vindo ou não. Sandel recebeu a Folha em seu escritório em Harvard.

Folha - O sr. critica a "camarotização" da vida pública nos EUA, onde se paga para ser VIP. Onde não há mistura de classes e convívio, o bem público e o espírito democrático estariam em risco. Como desenvolver esse espírito?
Michael Sandel - Nos EUA, as elites parecem desesperadas em não se misturar com os demais. Vida comum é saudável, e uma democracia vibrante precisa de lugares públicos que misturem diferentes classes. A camarotização é uma ameaça à democracia, ao espírito do bem comum. Os esportes costumavam ser essa arena. Mas a camarotização dos estádios tem repetido a segregação.


No Brasil, a insegurança produziu uma sociedade ainda mais segregada.
O maior erro é pensar que serviços públicos são apenas para quem não pode pagar por coisa melhor. Esse é o início da destruição da ideia do bem comum. Parques, praças e transporte público precisam ser tão bons a ponto de que todos queiram usá-los, até os mais ricos. Se a escola pública é boa, quem pode pagar uma particular vai preferir que seu filho fique na pública, e assim teremos uma base política para defender a qualidade da escola pública. Seria uma tragédia se nossos espaços públicos fossem shoppings centers, algo que acontece em vários países, não só no Brasil. Nossa identidade ali é de consumidor, não de cidadão.


O sr. conta que a associação de aposentados americanos não convenceu advogados a trabalhar por honorários baratos para seus sócios. Mas que eles aceitaram trabalhar de graça. A filantropia americana não seria diferente se não houvesse vantagens fiscais e uma lei taxando heranças?
Incentivar filantropia é bom. Promover a dedução de impostos nesse caso é uma declaração pública de que doações são hábitos que queremos encorajar. Mas, em outros casos, incentivos podem ser danosos. Oferecer dinheiro para que alunos leiam livros pode ser corrosivo. Se acharem que ler é um trabalho que merece ser pago, vai ser difícil descobrirem que é prazeroso, que os faz seres humanos mais reflexivos.


No Brasil, onde a cultura da filantropia é menos comum, alunos e professores protestaram contra batizar classes com nomes de doadores, mesmo estando em universidades públicas. Quando é legítimo advogar por mais mercado?
Sou cético sobre batizar bens ou espaços públicos e cívicos com nomes corporativos. Nos EUA, temos viaturas policiais, carros de bombeiros, propaganda em escolas, em peruas escolares, nos uniformes e nas lanchonetes. Principalmente nas escolas, prefiro um certo santuário, certa distância do marketing.
Nas universidades, é diferente. Universitários são mais maduros, menos impressionáveis que crianças. Sempre devemos nos perguntar quando algo corrompe. O prédio em que estamos aqui em Harvard é batizado com nome de doador. Nesse caso, isso não afeta a maneira como dou aulas ou o comportamento dos alunos.


No Brasil, há extremos opostos ao que o sr. descreve. Esperamos muito do governo, mesmo com alta carga tributária e má qualidade dos serviços.
Às vezes, mais mercado é necessário. Meu livro não é contra o livre mercado. É contra os excessos, o domínio de cada aspecto da vida. Mercado é ferramenta para organizar uma economia produtiva. Mas não pode regular tudo: política, lei, espaço público, saúde, educação. Há burocracias ineficientes em fornecer serviços. Agências governamentais às vezes têm um poder que não presta contas, o mercado é mais eficiente em algumas áreas.
Quando o poder é muito concentrado, seja nas mãos do governo ou de oligopólios privados, há espaço para ineficiência e corrupção. Governos de vários países tinham companhias aéreas. O setor privado tampouco é muito bom nessa área, mas não há razão para subsidiar com dinheiro público esse setor.


Por que o sr. é contrário ao crédito de carbono [certificado para pessoa ou empresa que reduz emissão de gases do efeito estufa e que é negociável no mercado internacional]?
Precisamos ter um imposto sobre emissões que faça cada um pagar o preço do estrago. Minha preocupação é que esse mercado de créditos permita aos países ricos fugir de seus sacrifícios compartilhados. Pode ser "eficiente" para os economistas que os ricos paguem para continuar poluindo, mas isso não cria uma ética de longo prazo de que todos precisamos mudar nosso estilo de vida.


O sr. já esteve no Brasil, falando de seu livro "Justiça". O conceito de jeitinho brasileiro denota uma moral elástica quanto ao cumprimento de leis. O sr. ouviu questões diferentes sobre justiça no país?
Os brasileiros me pareceram preocupados com corrupção. Minha primeira visita aconteceu quando o julgamento do mensalão começava. Depois, vieram protestos contra o aumento das tarifas e o desperdício na Copa e na Olimpíada. Minha segunda visita foi logo depois, em agosto, testemunhei um desenvolvimento surpreendente no ativismo cívico. Para todos que perguntava, havia simpatia pelos protestos.
Fiquei surpreso com o fato de que a maioria achava que mudanças aconteceriam. As expectativas eram muito altas. Temo pelo efeito da desilusão na energia cívica.


O sr. diz que a crença no poder do mercado esvaziou o debate público. Por quê?
Há uma hesitação em trazer argumentos morais para a praça pública. A fé no mercado tem ocupado todo o discurso nas últimas três décadas. Se os mecanismos de mercado pudessem resolver todos os problemas, haveria pouco espaço para a deliberação democrática.
Em sociedades pluralistas e multiculturais como as nossas, pessoas discordam sobre questões fundamentais. Para evitar controvérsia, os políticos se calam. Há tanta frustração no mundo com a política, os partidos, os políticos porque não há respostas para o que mais interessa. A política acabou sendo dominada por retórica de gerenciamento, tecnocrática, que evita falar dos grandes temas.


A crise de 2008 ajudou a eleger Obama como presidente da "mudança". Por que tão pouco mudou?
Nos anos 1980, [o presidente americano Ronald] Reagan e [a primeira-ministra britânica Margaret] Thatcher vieram com uma ideologia explícita que dizia que o mercado tinha resposta para tudo e que o governo era o problema. Foi o triunfalismo de mercado.
Só que eles foram sucedidos pela centro-esquerda, do [primeiro-ministro Gerhard] Schroeder, na Alemanha, a Tony Blair [primeiro-ministro britânico] e Bill Clinton [presidente americano], que não questionaram a questão dos mercados. Eles consolidaram a crença de que o mercado tem resposta para tudo. É o debate que está faltando: onde o mercado serve ao bem comum e onde ele não serve. Folha, 28.04.2014.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

CLÓVIS ROSSI: Brasil, Índia e a mudança


As duas democracias vão às urnas com muitas semelhanças, exceto pelo favoritismo da oposição
A maior democracia do mundo, a Índia, e uma das maiores, o Brasil, irão às urnas neste ano com alguns importantes aspectos em comum, por mais que sejam distantes e profundamente diferentes.
Os indianos estão votando há dez dias e são tantos (mais de 814 milhões) que o pleito se estenderá até o dia 12 de maio, em nove etapas sucessivas.
A principal característica em comum é o desejo de mudança. No Brasil, pesquisas do Datafolha têm mostrado que pelo menos dois terços dos eleitores querem mudanças na maneira como o país está sendo governado, o que, de resto, já ficara claro nas manifestações de junho passado. Na Índia, "a eleição é menos a respeito de políticas e mais sobre o desejo de mudanças", escreve o "New York Times".
Segunda coincidência: o desejo de mudança parece estar sendo atiçado pelo baixo crescimento econômico.
No Brasil, a desaceleração observada nos anos Dilma Rousseff é tema permanente de comentários. Na Índia, embora o crescimento atual (cerca de 5%) seja mais que o dobro do brasileiro, é insuficiente para acomodar as formidáveis massas que chegam todos os anos ao mercado de trabalho.
O incômodo com a situação econômica no Brasil também ficou evidente nas pesquisas da semana passada do Datafolha, nas quais uma firme maioria de consultados teme a alta da inflação e também do desemprego.
Na Índia, é basicamente a mesma coisa. Também na semana passada, o Pew Research Center, conceituado instituto de pesquisas dos EUA, divulgou pesquisa que mostra que 70% dos pesquisados estavam insatisfeitos com as perspectivas econômicas do país e mais de 80% estavam amargamente pessimistas a respeito dos assuntos econômicos.
"Tudo é um problema para o eleitor indiano", disse Bruce Stokes, pesquisador do Pew, à revista "The Economist".
Não soa parecido com os protestos contra tudo de junho no Brasil?
Outra coincidência: a ascensão de uma nova classe média, com suas reivindicações insatisfeitas. Negreja Chowdhury, colunista do "Times of India", escreve que, se houver uma troca de partidos no governo, "será reflexo de mudanças sociais em curso, com uma crescente, afirmativa e urbana classe média desejosa de engajar-se politicamente".
A grande diferença entre as duas democracias de massa está exatamente na perspectiva de troca de comando: na Índia, o favorito é a oposição, mais exatamente Narendra Modi, do BJP (Bharatiya Janata Party, Partido do Povo Indiano), conservador e nacionalista. No Brasil, a favorita é Dilma Rousseff.
O que explica que situações parecidas produzam em tese desenlaces diferentes? Na Índia, a oposição conseguiu oferecer uma perspectiva atraente, na forma de Modi e sua "agressiva ofensiva para desenvolver e industrializar Gujarat [o Estado que governa], o que garantiu ao Estado a reputação de futura China da Índia", escreve Ruchir Sharma, chefe de mercados emergentes da Morgan Stanley.
No Brasil, a oposição não convenceu o eleitor de que fará melhor.
Folha, 17.04.2014
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quarta-feira, 16 de abril de 2014

ELIO GASPARI: "O PT e o PSDB pagaM pela 'compreensão'"


O isolamento de André Vargas deveria ter vindo quando ele atacou Olívio Dutra, a banda limpa do PT
André Vargas deveria ter sido isolado pelo PT no ano passado, quando atacou o ex-governador gaúcho Olívio Dutra, que defendera a renúncia do deputado José Genoino depois de sua condenação no processo do mensalão. Na ocasião, disse o seguinte:
"Quando ele passou pelos problemas da CPI do Jogo do Bicho, teve a compreensão de todo mundo. Para quem teve a compreensão do conjunto do partido em um momento difícil, ele está sendo pouco compreensivo. Ele já passou por muitos problemas, né?"
Olívio Dutra nunca fora condenado em qualquer instância judicial. Genoino acabava de receber do Supremo Tribunal Federal uma sentença de 6 anos e 11 meses de prisão. Olívio passou pelo governo e continuou morando no pequeno apartamento que comprou como funcionário do Banrisul. Em apenas dez anos, entre sua eleição para vereador em Londrina e sua última eleição para a Câmara, André Vargas decuplicou seu patrimônio. Teve um doleiro amigo, redirecionou R$ 836 mil de doações legais para companheiros e chegou à primeira vice-presidência da Câmara dos Deputados. Certamente foi um militante compreensivo. Felizmente, faltou-lhe a compreensão do comissariado.
A reeleição da doutora Dilma, bem como a sua possível substituição por Lula, estão ameaçadas pelo exercício do que André Vargas chamou de "compreensão". Esse sentimento, amplo, geral e irrestrito, prevaleceu no PT em 2005 quando ele optou pela blindagem dos mensaleiros. Os partidos têm horror a cortar a própria carne. O PSDB manteve Eduardo Azeredo na sua presidência depois da exposição do mensalão mineiro. Fingiu-se de surdo por quase dez anos diante das sucessivas provas de que funcionara em São Paulo um cartel de fornecedores de equipamentos pesados, liderado pela Alstom.
O comissariado marcha para uma campanha eleitoral em que enfrentará um desejo de mudança. Sua dificuldade estará em mostrar que se pode mudar com mais do mesmo. Se algo mudará com outros candidatos, é um problema que caberá a cada eleitor julgar, mas, pela lógica do mesmo, mudança não sai. Isso fica claro quando a doutora Dilma diz que há uma "campanha negativa" contra a Petrobras. Falso, o que há, desde 2003, é um aparelhamento partidário, com bonificações pessoais, dentro da empresa. Aqui e ali foram tomadas medidas moralizadoras, sempre em silêncio, até que o doutor Paulo Roberto Costa, tentando esconder sua contabilidade, foi parar na cadeia.
Todos os governantes que fizeram campanhas políticas com a bandeira da moralidade, inclusive Lula, enganaram seus eleitores. A ferocidade com que o tucanato se opõe à manobra diversionista do PT para expandir o foco da CPI das petrorroubalheiras é um indicador dessa "compreensão" generalizada. Os tucanos de boa memória haverão de se lembrar do que foi a administração do doutor Joel Rennó na Petrobras (1992-1999). Em benefício de Fernando Henrique Cardoso, registre-se que ele herdou-o de Itamar Franco e manteve-o no cargo atendendo ao falecido PFL.
O rápido isolamento de André Vargas é boa notícia. Ainda assim, é pouco detergente para muito pano. O que a campanha precisa é da luz do sol, inclusive em cima das propostas dos candidatos. Folha, 16.04.2014.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Financiadores pressionam políticos para evitar CPIs no Congresso

VALDO CRUZ / ANDRÉIA SADI DE BRASÍLIA 06/04/2014  01h15

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Empreiteiras e outros grandes doadores de campanhas eleitorais estão pressionando deputados e senadores governistas e da oposição a desistir da criação de CPIs no Congresso para investigar os negócios da Petrobras e o cartel acusado de fraudar licitações de trens em São Paulo.
De acordo com seis parlamentares que transitam no meio empresarial e um assessor presidencial ouvidos pela Folha, os interlocutores das empresas afirmam que uma CPI pode reduzir o "ânimo" dos empresários para financiar candidaturas na campanha eleitoral deste ano.
Os primeiros contatos começaram há duas semanas, depois que a oposição conseguiu as assinaturas para criação de uma CPI para investigar a Petrobras no Senado. Doadores foram estimulados pelo próprio governo a entrar em campo para convencer senadores a retirar suas assinaturas do primeiro pedido de criação da CPI, apresentado pelo PSDB. A tentativa se revelou frustrada.
Houve conversas com parlamentares governistas e da oposição. Um deles, que pediu para não ser identificado, relatou que os interlocutores das empresas pediram "bom senso" aos congressistas, lembrando que sempre há o risco de uma CPI sair de controle.
"O mundo trocou BBM com o doleiro Alberto Youssef", contou um parlamentar governista, citando o sistema de troca de mensagens do celular do doleiro acusado de participar de um esquema de lavagem de dinheiro desbaratado pela Polícia Federal.
Segundo a PF, Youssef tinha relacionamento estreito com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que está preso em Curitiba e guardava planilhas detalhadas com registros do que fazia. Por essa razão, as empresas temem o que pode acontecer se ele contar o que sabe ou se suas planilhas vierem à tona durante uma CPI, "Ele é muito organizado. É batom na cueca", diz um congressista.
Editoria de Arte/Folhapress
Esse congressista sustenta também que uma investigação contra as principais doadoras de campanha num ano eleitoral comprometerá o financiamento dos candidatos.
Temor

Depois do mensalão, o setor privado passou a temer ainda mais as CPIs. Nos casos da Petrobras e do cartel de trens paulista, lembram congressistas, as investigações poderiam atingir clientes da estatal e empresas que participaram da construção de metrôs em outros Estados.
Representantes das empresas também entraram em contato com assessores presidenciais para pedir ao Planalto que desista de partir para a guerra contra as CPIs. Em reunião recente com sua equipe para avaliar o clima no Congresso, a presidente Dilma Rousseff afirmou ser contra a criação de comissões parlamentares de inquérito, mas disse que, se a oposição vai criar a dela, o governo não pode ficar na defensiva.
Os empresários foram informados, porém, de que o governo está jogando mais para criar um clima de "confusão" no Congresso e, com isso, impedir que qualquer CPI, mesmo que seja criada, venha a funcionar de fato. O governo terá apoio da cúpula peemedebista na operação.
Hoje, há quatro pedidos de criação de CPIs. Duas, da oposição, pedem para investigar negócios da Petrobras, como a compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). Outras duas, do governo, incluindo na lista dos itens a serem investigados o cartel do metrô de São Paulo e o porto de Suape (PE), numa tática para atingir os pré-candidatos da oposição à Presidência, Aécio Neves (PSDB-MG) e Eduardo Campos (PSB-PE). 
Folha, 06.04.2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cada votação custará R$ 3,75 milhões na Câmara dos Deputados

É como se cada parlamentar ganhasse pouco mais de R$ 7,3 mil por sessão

Andre Shalders - Correio Braziliense
Publicação: 03/04/2014 06:05 Atualização: 03/04/2014 10:33

R$ 3,75 milhões. Esse é o valor gasto com a remuneração dos deputados a cada dia de votação na Câmara em 2014, considerando apenas a chamada Cota para Exercício de Atividade Parlamentar, a Ceap, e os salários, atualmente fixados em R$ 26,7 mil. É como se cada parlamentar ganhasse pouco mais de R$ 7,3 mil por sessão. Em 2014, o ano legislativo será encurtado pelas eleições. Com o início do chamado “recesso branco” a partir de junho, o ano legislativo deve contar com apenas 88 datas para a apreciação de propostas em plenário, considerando também as quintas-feiras. 

No parlamento brasileiro, calendário mais curto, no entanto, não significa redução de despesas: o orçamento aprovado para as duas Casas recebeu um incremento de cerca de R$ 209 milhões em 2014, em relação ao 12 meses anteriores, atingindo um total de R$ 8,72 bilhões. Em termos do valor gasto para manutenção do mandato, os senadores são mais caros: cada um deles custará R$ 46,6 milhões ao longo de 2014. Na Câmara, a conta dos 513 mandatos de deputados federais sairá por R$ 9,6 milhões neste ano.

Para o economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, o Congresso gasta em excesso, apesar de cumprir funções essenciais ao país. “A democracia não tem preço, mas, como eu costumo dizer, o custo do nosso Congresso é muito alto. Como é um ano eleitoral, o custo por dia efetivamente trabalhado deve crescer ainda mais”, comenta ele. “E parte significativa desses gastos é com divulgação de atividades institucionais, que, no fundo, representa uma propaganda de quem já é detentor de mandato eletivo. Ou seja, o Congresso gasta para ajudar a manter os mandatos de quem já está dentro.”

Pensões
Tanto no Senado quanto na Câmara, a maior parte dos gastos é com a folha de pagamentos. Só nesta última Casa são 14.724 servidores entre efetivos e comissionados, sem contar os terceirizados. Já contados os descontos obrigatórios, a folha de pagamentos da Câmara somou, em março de 2014, R$ 245,8 milhões, incluindo pensões e aposentadorias. Entre os servidores da Casa, pelo menos 261 recebem mais que o teto constitucional do funcionalismo público, fixado, em janeiro, em R$ 29,4 mil.

Outros 2.446 servidores recebem salários, pensões e aposentadorias acima de R$ 20 mil. Entre os contratados, a maior parte é formada pelos secretários parlamentares, responsáveis por assessorar diretamente os deputados. Em março, essa categoria ocupava 10.436 pessoas. “Boa parte desse pessoal fica lotado nos estados. De fato, os gabinetes nem comportariam todo o staff a que eles têm direito. E, na minha opinião, isso é uma distorção, já que o trabalho útil dos parlamentares é feito aqui em Brasília. Esses servidores se tornam, na realidade, cabos eleitorais”, disse Gil Castelo Branco.

Por meio da assessoria, a Câmara informou que os gastos já efetuados este ano, até 27 de março, somam um total de R$ 1,069 bilhão. Só com a Cota para o Exercício de Atividade Parlamentar (CEAP), o famoso “cotão”, a Casa prevê gastos da ordem de R$ 152,2 milhões. A contratação de empresas terceirizadas, por sua vez, custará outros R$ 220, 4 milhões. Na semana passada, o Senado informou ao Correio que vem adotando, desde fevereiro de 2013, uma série de medidas visando a redução de gastos. No ano passado, os esforços resultaram numa economia de R$ 275 milhões, redução próxima à meta estabelecida pelo órgão. Outro esforço foi o corte de 630 funções comissionadas, representando cerca de 30% do total.
Correio Brasiliense, 03.04.2014.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Caso Petrobrás: Aparelhar

ANTONIO DELFIM NETTO
Tristes e lamentáveis notícias emergem dos descuidos da Petrobras na compra de uma refinaria no exterior. Desde sempre uma velha esquerda que namora a construção de uma economia centralizada, que ela pensa ser o "socialismo", o identifica com uma organização por meio de "empresas de propriedade do Estado".
O problema é que qualquer economista razoavelmente bem informado sobre a sofisticada discussão teórica dos anos 20/30 do século passado a respeito da possibilidade de se construir uma economia centralizada eficiente, sabe que não é possível organizá-la ("racionalmente") sem o uso das informações produzidas pelos "mercados". O colapso da URSS, depois de 70 anos de um desenvolvimento material sem atender à exigência básica do processo civilizatório, que é a mais completa liberdade de iniciativa individual, foi uma espécie de prova empírica do prognóstico teórico.
É claro que a organização da atividade econômica pelos "mercados" não é uma panaceia. Ela não funciona sem um Estado forte, constitucionalmente limitado e capaz de proporcionar-lhes as condições de eficiência. Entretanto, como disse o competente economista francês J.P. Fitoussi ("La Démocratie et le Marché", 2003), "o mercado é coisa séria demais para ser abandonado ao domínio da política". Um Estado inteligente --para seu próprio benefício e de seus constituintes-- deve dar aos "mercados" a oportunidade de cumprirem o seu papel.
Com relação à falácia que "empresa do Estado" é "empresa socialista", quero dar um depoimento. Em 1976, entusiasmado com a contribuição de J. Vanek sobre as virtudes da autogestão nas empresas dirigidas por trabalhadores na Iugoslávia, visitei algumas delas. Eram aparelhadas por trabalhadores inscritos no partido e formalmente "eleitos" para a sua administração.
O que me chamou a atenção é que um forte "espírito de corpo" os impedia de ver que elas eram tecnicamente ultrapassadas. Os investimentos eram poucos: mal repunham a depreciação do mesmo capital físico. Atendiam, às vezes, com contabilidade criativa, às demandas centrais. Para manter o sistema funcionando, quem detinha o comando acalmava seus eleitores com algumas vantagens, mas trabalhava para aposentar-se com o "pé-de-meia" que procurava fazer "por fora", em lugar de investir.
Não era visível nenhum compromisso com o futuro da empresa e muito menos qualquer problema ético em deixar uma sucata para a próxima geração. Infelizmente, tudo muito longe das virtudes teóricas do "modelo" de Vanek.
Ver qualquer semelhança nas lambanças da Petrobras, que até ontem foi politicamente aparelhada, com alguma empresa iugoslava dos anos 70 é, obviamente, pura maldade...
Folha, 26.03.2014.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Dilma proíbe que Itamaraty contrarie Putin: Há o temor de que uma condenação a Moscou por crise na Ucrânia leve o líder russo a cancelar sua vinda ao país

Putin deve participar da cúpula dos Brics em Fortaleza, em julho; em nota, país pede apenas uma 'solução pacífica'
ELIANE CANTANHÊDECOLUNISTA DA FOLHA
O Itamaraty e os próprios diplomatas brasileiros, individualmente, não tomam posição em relação à crise entre a Ucrânia e a Rússia por determinação da presidente Dilma Rousseff.
A tendência natural seria condenar a Rússia, mas a presidente é partidária da ideia de que o Brasil não deve se meter em crises de países tão distantes.
Além disso, há o temor de que o presidente Vladimir Putin, contrariado, cancele a vinda para a cúpula dos Brics.
A reunião de chefes de Estado dos cinco países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi marcada para Fortaleza em 15 de julho, dois dias depois do fim da Copa.
Na percepção de diplomatas, há também um forte componente ideológico no silêncio brasileiro: condenar a Rússia seria como tomar partido dos EUA, com os quais as relações estão estremecidas desde as denúncias de espionagem.
De toda forma, há desconforto entre esses diplomatas. Eles lembram que, historicamente, o Brasil considera que o princípio da integridade territorial prevalece sobre o da autodeterminação dos povos.
Ou seja: o direito da Ucrânia à integridade do país se sobrepõe à manifestação da população da Crimeia a favor da anexação à Rússia.
No Itamaraty, existe até a preocupação de que não haja um contraste negativo para o Brasil entre as posições diante da Venezuela e, agora, da Ucrânia. Se apoia veementemente o governo venezuelano, o Brasil se nega a defender o ucraniano.
Para os críticos da "não posição" brasileira, o silêncio também é uma posição, e essa omissão tende a ser cobrada adiante por parceiros tradicionais e fundamentais do Brasil, como EUA e Europa.
Eles dizem que falta a Dilma a compreensão sobre o significado de política externa e que há um erro de avaliação sobre o custo-benefício do silêncio. As consequências podem ser contrárias ao interesse nacional.
Há também uma questão bilateral delicada: o Brasil tem um programa de cooperação com a Ucrânia na área aeroespacial, para lançamento de satélites. Não se descarta que haja retaliação a médio ou longo prazo.
Um dos alertas que diplomatas fazem é que, quanto mais o tempo passa e as circunstâncias evoluem, mais difícil vai ficando para que o Brasil assuma uma posição.
Ontem, após ser procurado durante todo o dia, o Itamaraty enviou à Folha uma nota de três linhas em que repete o tom de cautela da última manifestação, considerada amorfa, de 19 de fevereiro.
"Tendo em vista a complexidade e a dinâmica da situação na Crimeia, o Brasil acompanha os desdobramentos na região. O Brasil deseja uma solução pacífica entre as partes, com pleno respeito aos direitos humanos", diz.
Folha, 19.03.2014

O comissariado destruidor - Elio Gaspari


O truque do preço da energia custou um Bill Gates mais um Jorge Paulo Lemann, e ainda sobram alguns bilhões
Quando a doutora Dilma assumiu a Presidência, uma ação da Petrobras valia R$ 29. Hoje ela vale R$ 12,60. Somando-se a perda de valor de mercado da Petrobras à da Eletrobras, chega-se a cerca de US$ 100 bilhões. Isso significa que a gestão da doutora comeu um ervanário equivalente à fortuna do homem mais rico do mundo (Bill Gates, com US$ 76 bilhões), mais a do homem mais rico do Brasil (Jorge Paulo Lemann, com US$ 19,7 bilhões). Noutra conta, a perda do valor de mercado das duas empresas de energia equivale à fortuna dos dez maiores bilionários brasileiros.
Se o governo da doutora Dilma deve ser avaliado pela sua capacidade executiva, o comissariado petista contrapõe ao conceito de "destruição criadora" do capitalismo a novidade da destruição destruidora. No caso do preço dos combustíveis, de quebra, aleijou o mercado de produção de álcool.
Há empresas como a Polaroid, por exemplo, que vão à ruína porque vivem de uma tecnologia caduca. Outras cometem erros de concepção, como as aventuras amazônicas da Fordlândia e do Jari. É o jogo jogado. A perda de valor da Petrobras e da Eletrobras está fora dessas categorias. Acusar a doutora Graça Foster pelos maus números da Petrobras seria uma injustiça. A desgraça derivou de uma decisão de política econômica, mas responsabilizar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelo que acontece nessa área seria caso de atribuição indevida.
O que agrava o episódio é que tanto a Petrobras como a Eletrobras atolaram por causa de uma decisão politicamente oportunista e economicamente leviana. Tratava-se de vender energia a preços baixos para acomodar o índice do custo de vida, segurando a popularidade do governo. O truque é velho. Mesmo quando deu resultados políticos imediatos, sempre acabou em desastres para a economia.
Vem aí a campanha eleitoral e o governo irá à luta buscando a reeleição de Dilma Rousseff com duas plataformas: a da qualidade de sua gerência e os avanços sociais que dela derivaram. Numa área em que os governos petistas produziram o êxito do Prouni, o ministro da Educação Fernando Haddad criou o novo Enem em 2009. Prometia a realização de dois exames por ano. Nada, mas continuou prometendo. Em 2012 a doutora Dilma anunciou: "No ano que vem [serão] duas edições". Nada. Apesar de ela ter dito isso, o ministro Aloizio Mercadante e seu sucessor, José Henrique Paim, descartaram a segunda prova, que daria à garotada uma segunda chance de disputar a vaga na universidade. (Nos Estados Unidos, o equivalente ao Enem oferece sete datas a cada ano.) O novo presidente do Inep, organismo encarregado de aplicar o exame, dá a seguinte explicação: "É impossível se fazer dois Enens' por ano com esse Enem. O crescimento [de inscritos] foi de tal ordem que a logística se impôs".
É um caso simples de gerência. Quem disse que ia fazer dois exames foi o governo. As dificuldades logísticas não explicam coisa nenhuma, porque elas já estavam aí em 2009 e, desde então, o Brasil não incorporou ao seu território a península da Crimeia.
O que há no governo é mais do que má gerencia. É uma fé infinita na empulhação, ofendendo a inteligência alheia.
Folha, 19.03.2014

terça-feira, 18 de março de 2014

Negacionismo recalcado do Estado de Exceção implantado com a Ditadura gera nova "Marcha da Família"

VLADIMIR SAFATLE
"Há quase 50 anos, o Brasil assistiu a um golpe militar que impôs a pior ditadura de sua história, responsável por crimes contra a humanidade, terrorismo de Estado, censura e arbítrio."
Essa frase deveria ser atualmente a descrição de fatos históricos, aceitos como evidências. Fatos que, por si só, teriam a força de provocar a indignação coletiva e o rechaço dos restos dessa época que ainda permanecem entre nós.
No entanto, para setores expressivos, tanto da população quanto daquilo que um dia foi chamado de "formadores de opinião", a frase "não é bem assim". Ela deve ser nuançada e colocada melhor em seu contexto.
O resultado da ausência de uma política forte baseada na justiça de transição e no dever de memória fez com que o Brasil fosse obrigado a ver, no limiar dos 50 anos do golpe militar, análises que procuram nos levar a crer que a ditadura não foi tão ditadura assim, que no fundo ela começou mesmo em 1969, com o Ato Institucional nº 5, e que não faz muito sentido processar torturadores, exigir mea culpa das Forças Armadas e das empresas que financiaram o regime. Não faz muito sentido exigir o reconhecimento da culpa e o pedido de perdão.
Tais análises são dignas do puro e simples negacionismo. Pois será sempre negacionista toda historiografia que visa minimizar crimes contra a humanidade, servindo-se de leituras tortas para dirimir o ímpeto social por punição e justiça contra os que se serviram do Estado para impor um regime assentado na violência bruta e na eliminação de setores descontentes da população.
Sim, agora temos uma literatura negacionista "made in Brazil". Ela se traveste de argumentos do tipo "os dois lados tiveram excessos" para fazer o pior de todos os exercícios: a relativização do governo ilegal e criminoso que tomou de assalto o Brasil por duas décadas.
Assim, já faz algum tempo que os interessados na história brasileira alertam para a repetição a qual as sociedades estão submetidas quando são incapazes de elaborar seu passado. Essa lei é tão forte quanto a lei da gravidade.
Não é de se estranhar que, dos esgotos do conservado-rismo nacional, apareça novamente esse cortejo de fetichistas de quarteis, apolíticos amantes de políticos de di- reita, defensores da famí- lia brasileira com sua produção em série de neuróticos e membros do Grupo Armado do Menino Jesus.
Sim, para aqueles que diziam que a reconciliação já tinha sido alcançada milagrosamente no Brasil, a história apresenta a mais nova edição da "Marcha da Família com Deus pela Liberdade".
Um agradecimento especial aos negacionistas por esse desrecalque.

Engolindo em seco

ELIANE CANTANHÊDE
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff, franca favorita de outubro, deveria ser menos impetuosa, tanto ao se autoelogiar por algumas medidas controversas quanto ao testar forças com os seus próprios aliados, sem medir consequências.
Dilma usou pronunciamento em horário nobre da TV para comemorar a queda dos juros e ainda apontou o dedo contra o sistema financeiro, provocando uma queda de braço com os bancos privados.
E o que aconteceu? Os juros caíram, caíram, depois subiram, subiram e estão hoje nos mesmos níveis anteriores ao pronunciamento presidencial, que bem poderia ser apagado, senão da memória, dos arquivos.
Dilma também usou pronunciamento na TV para capitalizar a redução nas contas de luz de empresas e de casas particulares. Foi um sucesso mais de público do que propriamente de crítica especializada.
E o que aconteceu? As contas caíram um pouquinho, mas as concessionárias reagiram, as condições não ajudaram, os reservatórios ficaram baixos e acionaram-se as termelétricas, muito mais caras. E temos aí uma conta salgadíssima para pagar.
Desta vez, Dilma resguardou-se, enquanto uma meia dúzia de engravatados recorria a um contorcionismo verbal para tentar amenizar a crua realidade: vem aí aumento de imposto, depois da eleição, para pagar o resultado da brincadeira.
Dilma também espalhou aos quatro ventos que estava irritada com o PMDB, que até ameaçou intramuros romper com o partido e que iria mostrar sua força "isolando" o líder na Câmara, Eduardo Cunha.
E o que aconteceu? Horas depois que ela deu posse ontem aos ministros-tampão, o "isolado" Cunha foi recebido no anexo do Planalto pelo vice-presidente Michel Temer e dois ministros, Cardozo e Ideli. O poderoso Mercadante balançou, mas não foi. Seria demais, não é?
Agora, é só esperar: logo, logo, Cunha estará subindo a rampa do Planalto. Essa ilha é um continente.
Folha, 18.03.2014.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Inimigo íntimo: No presidencialismo do Brasil, oposição ao governo federal parte da própria base aliada, sempre ávida por cargos e de olho nas eleições

EDITORIAIS - editoriais@uol.com.br
Em sua obra mais famosa, "O Príncipe", Nicolau Maquiavel afirma que saber dissimular é um atributo valioso para todo governante, desde que este saiba bem como disfarçar tal característica.
Nesse aspecto, a lição do pensador italiano seria de grande utilidade para a presidente Dilma Rousseff (PT), que fez anteontem, ainda que à distância, uma incursão desastrada pelo reino das negociações políticas, um universo que pouco conhece e muito despreza.
Durante a posse da nova mandatária do Chile, Michelle Bachelet, Dilma respondeu a perguntas feitas por jornalistas brasileiros que acompanhavam o evento. Ao ser questionada sobre problemas com sua base aliada, a petista declarou: "O PMDB só me dá alegrias".
Do ponto de vista de seu governo, era melhor que não houvesse dito nada. Se a frase carregava, além do evidente cinismo, alguma intenção de minimizar o descontentamento de congressistas daquele partido, deu-se o contrário.
Considerando a ironia presidencial como a gota d'água que faltava, peemedebistas decidiram dar o troco. Ajudaram a aprovar, na Câmara dos Deputados, a criação de uma comissão externa para acompanhar investigações sobre suposto recebimento de propina por funcionários da Petrobras.
Sobretudo pelo placar dilatado da votação --267 votos a 28--, a medida sem dúvida representa uma derrota para o governo, e assim foi celebrada pelo PSDB, sigla oficialmente de oposição. Em uma página institucional na internet, tucanos destacavam a "noite histórica" e a "vitória do país".
Não é para tanto. Primeiro, porque a nova comissão não tem os poderes de uma CPI, como convocar testemunhas e quebrar sigilos.
Mais importante, a instauração do grupo de trabalho não decorre da atuação de oposicionistas diligentes, preocupados com os destinos da estatal. Trata-se de mero efeito colateral, por assim dizer, do cabo de guerra entre PT e PMDB.
Não estão em primeiro plano os verdadeiros interesses do país --entre os quais certamente está a fiscalização da Petrobras--, mas uma disputa por espaço na administração federal e por palanques nas eleições estaduais.
O PSDB e demais partidos da oposição, neste caso, serviram de munição para siglas já alojadas na Esplanada dos Ministérios. Tal é a miséria do presidencialismo brasileiro: sem alternativas programáticas no horizonte, os debates começam e terminam nas chantagens da própria base aliada.
Mesmo Maquiavel, um mestre do realismo político, teria dificuldade para compreender esse sistema.
Folha, 13.03.2014.

quarta-feira, 12 de março de 2014

O PMDB e a Petrobras: O governo deve pagar para ver a rebeldia do blocão pós-carnavalesco do deputado Eduardo Cunha

ELIO GASPARI
Ganha uma viagem a Roma, com direito a hotel "padrão Dilma", quem souber apontar uma só politica pública associada ao descontentamento do PMDB com o atual governo, os passados e os futuros. Se o deputado Eduardo Cunha, líder da bancada do partido e porta-voz da insatisfação, estivesse discutindo transportes públicos, muito bem. Difícil que o faça, a menos que pretenda começar pela promiscuidade existente nas relações dos governos do Rio de Janeiro com os concessionários. Ele também poderia estar descontente com a inépcia dos ministérios da Educação ou da Saúde, mas disso seu PMDB não se queixa. A bandeira mais visível da oposição ajudada pelos rebeldes foi a proposta de instalação de uma comissão externa para investigar a Petrobras.
Em tese, toda investigação é boa. Na prática, esse instrumento transformou-se num fator de desmoralização do Congresso. A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou as atividades do doutor Carlinhos Cachoeira serviu apenas para mostrar ao país a eficácia da blindagem dos governadores, prefeitos e empresários que com ele tinham negócios. Quem protegeu os maganos foi o PMDB, com a ajuda do governo. Indo-se mais longe, à CPI do Banestado, verifica-se que em vez de achar as malfeitorias da banca, ela se contentou em descobrir novos caminhos para ter boas conversas com banqueiros.
Em 2009 o Congresso criou uma CPI para investigar a Petrobras. Começaram falando na investigação de contratos bilionários de empreiteiras e acabaram discutindo patrocínios culturais que envolviam caraminguás do comissariado cultural. À época, um empresário que conhece o mercado advertia: "Numa empresa desse tamanho, denúncia com valor inferior a US$ 100 milhões é disfarce de quem quer discutir o que não tem importância".
A qualquer hora, em qualquer setor, algo de errado pode estar acontecendo na Petrobras. Isso deriva do seu tamanho. Quando ela se mete em desastres, como o da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, a oposição faz de conta que não vê. A CPI de 2009 não fez bem à empresa, apenas mostrou aos grandes fornecedores o que deviam fazer para ficar fora dos holofotes parlamentares.
Admita-se que o doutor Eduardo Cunha queira conhecer melhor as contas da Petrobras. Para ficar no mundo dos trocados, poderá achar um expediente, de 2012, no qual a área de gás e energia da empresa queria fazer sua festa de fim de ano no Copacabana Palace, fechando o Golden Room e o Salão Nobre para 230 convidados. A boca-livre custaria em torno de R$ 1.500 por pessoa. A maneira como a festa estava sendo contratada tinha fumaça. Exposto, o negócio foi cancelado. Admita-se que tivesse sido realizado, ou ainda que tivesse outra dimensão. Em vez de fechar dois salões, a Petrobras fecharia todos, para mil convidados. Haveria tantas flores e champanhe que um ás da noite carioca seria capaz de comparar o seu luxo ao do casamento da filha de Carmen Mayrink Veiga com o neto do magnata Augusto Trajano de Azevedo Antunes. Entre os convidados estariam ilustres parlamentares do PMDB.
Mesmo tendo caixa para uma festa dessas, a Petrobras deveria ficar constrangida e nada melhor que uma investigação para que se soubessem as razões que a levaram a tal exibicionismo. Essa festa aconteceu, em 2011, mas não é da conta de ninguém. Foi um evento privado, festa familiar do deputado Eduardo Cunha.